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Processos, dívidas e Arena: como o Corinthians entrou em crise sem jogar
Esportes
Publicado em 22/06/2020

 

Devendo dois meses de salários, Timão lidou com protesto e pichações na última semana

 

Na última quinta-feira, muros da sede do Corinthians amanheceram pichados com críticas e ofensas ao presidente Andrés Sanchez. No dia seguinte, mais pressão: torcedores organizados foram ao local e protestaram contra a diretoria alvinegra.

 

Os atos não chegam a ser novidade no Corinthians, mas surpreendem pelo momento em que acontecem. Afinal, o Timão não joga há mais de três meses.

 

Desta vez, porém, a ira da torcida não tem a ver com derrotas ou eliminações. É verdade que os resultados em 2020 não foram bons. O Corinthians venceu apenas três jogos oficiais no ano, foi eliminado na primeira fase da Copa Libertadores e tem chances remotas de classificação no Campeonato Paulista. Mas o motivo da crise é outro.

 

A paralisação do futebol por conta da pandemia de Covid-19 não só agravou como jogou luz sobre graves problemas financeiros do Corinthians. Cobranças judiciais passaram a ser recorrentes, assim como notícias de dívidas, causando preocupação na Fiel. Veja exemplos abaixo:

 

Nesta reportagem, o GloboEsporte.com apresenta os principais desafios administrativos do Corinthians e faz um raio-x da crise.

 

 

No vermelho

A situação do Corinthians seria bastante complicada mesmo que não houvesse a pandemia do novo coronavírus. O clube fechou 2019 com R$ 665 milhões em dívidas.

 

Deste montante, R$ 399 milhões precisariam ser pagos neste ano. O valor é maior do que todo o faturamento da temporada passada: R$ 353 milhões.

 

Com a paralisação do futebol, quitar os débitos ficou impossível. A inadimplência no programa Fiel Torcedor superou 30%, patrocinadores suspenderam contratos e outras receitas foram cortadas.

 

Como consequência, o Corinthians não conseguiu pagar salários. Atualmente, os jogadores têm dois meses em atraso. Também há uma enorme dívida de direitos de imagem, que no fim de 2019 era de R$ 48 milhões e desde então só cresceu.

 

No momento, a diretoria alvinegra procura credores em busca de renegociações. O clube tenta ganhar mais tempo para quitar as dívidas e evitar novas cobranças na Justiça.

 

Mais notícias do Corinthians:

Em maio, a diretoria emitiu nota afirmando que "há R$ 163 milhões (40% da dívida) com negociações encaminhadas para repactuação e alongamento dos prazos, pois tratam-se essencialmente de obrigações vinculadas ao futebol, que permite essa administração."

 

Além disso, o Timão conta com uma salvação financeira que estava prevista para o início deste mês, mas até agora não chegou: a antecipação do dinheiro da venda de Pedrinho ao Benfica junto a um banco estrangeiro. Segundo Matias Romano Ávila, diretor financeiro do Corinthians, o socorro de quase R$ 120 milhões deve entrar no caixa do clube até julho.

 

Para evitar que a Fifa o impeça de registrar novos jogadores, o Corinthians pretende, segundo Matias Ávila, pagar nesta terça-feira as duas últimas parcelas da compra do zagueiro Bruno Méndez ao Montevideo Wanderers, do Uruguai. O clube uruguaio acionou a entidade no começo do ano para reclamar do calote e obteve decisão favorável.

 

 

Nos tribunais

Enquanto alguns credores aceitam negociar e esperar um pouco mais para receber do Corinthians, outros decidem buscar a Justiça para receber o que têm direito.

 

Nas últimas semanas, vários processos vieram à tona, como o do atacante Jonathas. Depois de uma passagem apagada pelo Timão em 2018, ele entrou na Justiça cobrando R$ 2 milhões do clube. O valor é referente a uma dívida de direitos de imagem.

 

Dias antes, outra ação se tornou pública, da empresa de agenciamento B2F, que cobra R$ 1,27 milhão do clube. A dívida tem relação com a venda do volante Maycon ao Shakhtar Donetsk, da Ucrânia, em março de 2018.

 

Em março deste ano, o Nacional, da Série A3 do Campeonato Paulista, também abriu processo contra o Corinthians. O clube cobra R$ 2,6 milhões pela venda do volante Thiaguinho e alega ter sofrido calote.

 

Outro caso recente foi o do meia Giovanni Augusto, que buscou a Justiça para cobrar R$ 924 mil de indenização por atraso no pagamento de férias e também por não ter recebido Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) por 14 meses.

 

Mas não foi só Giovanni que não recebeu FGTS. Há funcionários com depósitos atrasados há mais de um ano. Em 2019, a dívida do clube referente a esse encargo cresceu 333%, saltando de R$ 6,6 milhões para R$ 22 milhões. O clube também não repassou R$ 88,7 milhões em imposto de renda à União. Especialistas veem crime nesta prática.

 

Paralelamente, o Corinthians lida com casos antigos. Há ações trabalhistas de jogadores que defenderam o Timão há anos, como Magrão, Diogo Rincón e Anderson Martins, além de atletas de outras modalidades, como futsal e vôlei.

Recentemente, também ganhou destaque o caso Paulo André. O zagueiro, campeão mundial em 2012, movia na Justiça do Trabalho uma ação contra o clube, acusando o descumprimento de diversas obrigações trabalhistas. Além disso, ele pedia valor relativo ao descanso semanal remunerado.

 

Em dezembro do ano passado, após conversar com o presidente Andrés Sanchez, ele concordou em retirar a ação e aceitou receber R$ 750 mil. O próprio Paulo André chegou a dizer que foi um "equívoco" cobrar o descanso semanal. Embora tenha retirado a ação e entrado com acordo, Paulo André fez com que o Corinthians pedisse a FPF, CBF e Globo para não jogar mais aos domingos e à noite.

 

Entre todos os processos contra o Corinthians, um dos que mais causa dor de cabeça na diretoria é o movido pelo JMalucelli, um ex-clube do Paraná. A Justiça ordenou o bloqueio de R$ 23 milhões que o Timão tem a receber de cotas de TV pelo descumprimento de um acordo firmado em dezembro do ano passado. O caso tem relação com o volante Jucilei.

 

O processo foi aberto em 2015, quando o JMalucelli cobrava R$ 5,5 milhões. Porém, com juros e multas, a indenização já está quatro vezes maior.

 

– Corinthians está repactuando as dívidas do clube. Só não pagamos o acordo com o Jucilei porque a receita reduziu. Tem plano de saúde, energia, tudo isso... Não tivemos como pagar. Deixamos de pagar, mas vamos voltar agora, renegociando o valor. O bloqueio é uma questão judicial que vamos renegociar. O Corinthians quer pagar. Vamos rediscutir o valor, repactuar e voltar a pagar – disse Matias Romano Ávila à Fox Sports.

 

O próprio Jucilei também move uma ação na Justiça contra o Corinthians por conta de uma dívida de salários e direitos de arena. O valor da indenização ainda não foi definido.

 

Outro caso nos tribunais que preocupa o Timão é referente à Arena Corinthians. São quase R$ 40 milhões cobrados do clube pela falta de contrapartidas sociais ao município de São Paulo pela cessão do terreno onde hoje está o estádio.

 

O Ministério Público de São Paulo atualizou os valores em abril deste ano. Com juros e correção, a multa de R$ 8 milhões saltou para R$ 39,7 milhões. O Corinthians ainda tenta recorrer da decisão.

 

 

E ainda tem o estádio...

Além de todas as pendências financeiras do clube, o Corinthians precisa equacionar a dívida da Arena.

 

Em setembro do ano passado, a Caixa entrou com ação na Justiça cobrando R$ 536 milhões da Arena Itaquera S/A, empresa sócia do Corinthians e dona do estádio do clube. O banco alega atraso de seis parcelas do pagamento mensal do estádio, de março a agosto de 2019.

 

Desde outubro, Caixa e Corinthians discutem um acordo amigável e já tiveram avanços nas tratativas. Foi acordado um prazo de mais quatro anos para quitação (era 2028 e passará a ser 2032), assim como a flexibilização do valor da parcela a ser paga nos meses em que não há jogos no estádio. Porém, uma divergência ainda impede que o novo contrato seja assinado. A Caixa cobra uma multa, que o Corinthians não concorda em pagar, de aproximadamente R$ 50 milhões.

 

Nas contas do clube, com juros e correção, a dívida com a Caixa é de R$ 487 milhões, R$ 49 milhões a menos do que o banco pede.

 

Vale lembrar que o financiamento contraído para a construção da Arena Corinthians foi de R$ 400 milhões.

 

Essa não é a única pendência referente ao estádio. O Timão já chegou a um acordo com a Odebrecht por uma parte da dívida que tinha, mas aguarda o processo de recuperação judicial da construtora para saber o quanto ainda terá que pagar à empresa. O valor pode chegar a R$ 160 milhões, de acordo com o presidente Andrés Sanchez.

 

 

Justificativas e o futuro

Em maio deste ano, Andrés Sanchez admitiu que cometeu exageros no ano passado, quando "contratou demais", segundo ele, e aumentou os problemas financeiros do clube. No entanto, o dirigente disse acreditar que é possível, sim, quitar as pendências do clube.

 

– É uma dívida pagável, sim. Você pode renegociar. O Corinthians tem R$ 450 milhões de receita. É só não contratar jogador, segurar um pouco e pagar. Minha folha salarial era para estar menor, mesmo tendo baixado nos últimos anos. E eu estou apanhando porque deixei de contratar nível mais caro. Imagina quem tem dinheiro e está há anos sem títulos mesmo contratando? É só não contratar mais jogador – disse Andrés, durante uma live com o site Meu Timão.

 

A contratação de Jô, anunciada na semana passada, foi a 34ª de Andrés em pouco mais de dois anos de mandato na presidência do clube.

 

Como mostrou o jornalista Rodrigo Capelo, em análise publicada na última semana, a atuação corintiana no mercado influencia diretamente nos resultados financeiros ruins, mas não é a única explicação. Houve queda nas receitas, e o prejuízo com o clube social cresce ano após ano.

 

O cenário fica ainda mais tumultuado em ano eleitoral. Em novembro, sócios do Timão irão eleger o substituto de Andrés Sanchez, que não pode tentar um novo mandato e ainda não definiu qual candidato irá apoiar.

 

Foto: Infoesporte

Foto: Benfica

Por Ana Canhedo e Bruno Cassucci — São Paulo

*Redação: blogjrnews.com

 

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