Os recentes confrontos na Libertadores e no Brasileirão indicam não haver, em solo nacional, adversário capaz de enfrentar o Rubro-Negro.
O aborrecido futebol brasileiro tem no Flamengo de 2019 uma oportunidade preciosa de sair do “não” para o “sim”, do “defender” para o “atacar”, do “saber sofrer” para o “fazer sofrer”. Especialmente, do medo para a coragem. A catártica goleada por 5 a 0 sobre o Grêmio e a histórica classificação para a final da Taça Libertadores homologam raríssima junção de fatores que tornam o ato de assistir a uma equipe de futebol um enorme prazer, além do resultado.
Produto de austeridade financeira e investimento em patrimônio e estrutura, esse time consiste na maior reunião de grandes jogadores no país desde o Corinthians do fim do século passado. Não falamos aqui de resultados. Outros clubes neste intervalo de 20 anos arrebataram títulos e mais títulos, mas jamais com tantos talentos.
Ao colocar Filipe Luís, De Arrascaeta e Diego em campo no jogo mais importante do ano, o Flamengo demonstra ter total consciência de como deve funcionar o clube para permitir à equipe obter êxito.
Gravemente lesionados, todos se recuperaram em tempo de fazer diferença. O lateral-esquerdo evitou gol de Maicon no 0 a 0, o uruguaio deu assistência, e o camisa 10 entrou em tempo de exigir uma ótima e incomum defesa de Paulo Victor, e receber o carinho dos companheiros numa bonita cena de uma noite inesquecível aos rubro-negros.
Onde entra o Mister nisso tudo? Esse elenco, com essa estrutura, encheria o Maracanã e seria postulante a títulos com outros treinadores, mas Jorge Jesus estimulou o passo definitivo para retirar o monstro da jaula: a coragem.
O futebol brasileiro se pauta pelo medo: de perder o jogo, de levar o gol, de errar o passe, de perder o emprego, de ver o rival se dar bem, da invasão dos torcedores.
A prática do esporte mais maravilhoso do planeta se tornou, por aqui, uma aflição constante. Livre das amarras e dos vícios de um país moedor de ideias e profissionais, Jesus prega a alegria e o prazer como fios condutores.
Mais do que o saber jogar, os olhos brilham pelo querer jogar deste Flamengo. São jogadores nitidamente satisfeitos ao entrar em campo e executar o que é treinado, transformar a teoria em prática, materializar a superioridade técnica, tirar do papel o que pode ser possível num time com Diego Alves, Rafinha, Rodrigo Caio, Pablo Marí, Filipe Luís, Willian Arão, Gerson, Everton Ribeiro, De Arrascaeta, Bruno Henrique e Gabriel. Não há um titular razoável. São todos acima da média.
As mensagens da mente para o corpo ajudam a equipe a manter intensidade admirável na reta final de outubro. Jesus não é adepto das mudanças radicais na escalação entre um jogo e outro, mas certamente trabalha com informações. Poupar atletas não é balela, mas também não pode ser modismo nem marketing. É preciso fazer – ou não – com base na ciência. Ponto para quem investe em profissionais e equipamentos.
A forma de atuar também ajuda. O Flamengo costuma recuperar a bola no campo de ataque, então percorre distâncias menores para chegar ao seu objetivo. Os defensores são os primeiros construtores e o fazem também da linha central para frente, e isso permite aos meias e atacantes, os que decidem jogos, receberem a bola muito mais próximos da área do que em outros times brasileiros.
O 6 a 1 na soma dos placares reflete com precisão a diferença de desempenho entre Flamengo e Grêmio na semifinal. Um feito gigantesco. O Tricolor tem camisa com peso de chumbo na Libertadores, ótimo elenco e um comando de três anos do maior nome de sua história. Não era qualquer um, mas foi tratado como algo próximo disso.
Os recentes confrontos no torneio continental e o Campeonato Brasileiro indicam não haver, em solo nacional, adversário capaz de enfrentar o Flamengo. O River Plate é argentino. É o atual campeão. Chegou a três finais nos últimos cinco anos. Joga sob a batuta de Marcelo Gallardo, também o grande ídolo de todos os tempos, há cinco anos. É o adversário ideal e certamente exigirá do Flamengo ações e reações inéditas, algo absolutamente normal num trabalho de apenas quatro meses de Jesus.
Independentemente do que acontecer no dia 23 de novembro, em Santiago, este Flamengo precisa ser colocado como parâmetro de excelência. É necessário ter um plano, um norte para o clube, e conduzi-lo convicto até ele. É possível trabalhar com coragem e prazer no futebol mesmo sem orçamento e elenco assombrosos – vide o Santos de Jorge Sampaoli. É preciso aprender com o Mister e companhia. E aplaudir – de preferência, fora da sala de coletivas.
Imagens Arte Divulgação
Foto: André Durão / GloboEsporte.com
Por Alexandre Lozetti
*Redação: blogjrnews.com