Ex-jogador vive nos EUA e investe na carreira de técnico. Ele relembra apresentação onde deixou Cristiano Ronaldo como coadjuvante e o dia em que enfureceu Alex Ferguson
"Sou, realmente, rubro-negro de coração. Dos dois lados". Assim Kleberson se define. O ex-jogador teve passagens marcantes pelo Athletico Paranaense e pelo Flamengo. E os dois times estarão frente a frente em duelo pelas quartas de final da Copa do Brasil. O jogo de ida é nesta quarta, às 21h30, na Arena Baixada, e contará com a presença dele.
Kleberson é cria do Athletico, mas jogou mais tempo no Flamengo. Foi campeão brasileiro pelos paranaenses em 2001 e pelos cariocas em 2009. Disputou a Copa de 2002 como jogador do Athletico - foi pentacampeão - e a Copa de 2010 comoatleta do Flamengo. A escolha não foi fácil, mas a torcida dele vai para...
- Nossa, essa aí (risos)... Tenho boas histórias nos dois clubes. Respeito muito o Flamengo. Mas o Clube Athletico Paranaense é um clube por quem tenho um carinho muito grande, pela história que vivi desde o começo. É o clube que me revelou. E é para quem vou estar torcendo nesse jogo.
Aos 40 anos e aposentado dos campos desde 2017, Kleberson hoje vive nos Estados Unidos e investe na carreira de treinador. Ele é técnico da categoria sub-12 do Philadelphia Union, equipe da MLS. É também assistente técnico do sub-19. De férias em Curitiba, ele recebeu o GloboEsporte.com em casa para uma entrevista. Além de falar sobre o confronto entre Athletico e Flamengo, onde apontou o Rubro-Negro da Gávea como favorito, relembrou os momentos marcantes como jogador. Veja a seguir.
GloboEsporte.com: Como você chegou ao Athletico Paranaense? Como foi o início?
Kleberson: Sempre conto essa história, porque para mim é uma história fantástica. Vim do interior do Paraná, estava jogando no PSTC, clube que me revelou. E de última hora recebi o convite para disputar uma Taça BH com o Athletico Paranaense. Cheguei em Curitiba com a malinha no meio de junho, aquele friozinho que todo mundo sabe que faz aqui. Quando entrei pela porta do centro de treinamento do clube e olhei aquela estrutura, vários campos, meninos jogando, comecei a sentir que meu sonho estava sendo realizado e que dependia somente de mim. Foi um momento muito especial, senti uma energia muito grande dentro daquele clube. Aí tive a oportunidade de jogar a Taça BH, fiz uma boa competição como lateral-direito, e o Athletico quis ficar comigo por mais tempo. Depois disso foram só subidas, muitas conquistas na base, muito aprendizado até chegar ao profissional.
Em 2000 você marcou um golaço do meio-campo na Copa São Paulo de Juniores...
Lembro muito bem, esse foi um gol marcante, um dos mais bonitos que fiz na minha carreira. Naquela época a gente sempre relembrava o gol que o Pelé não fez. Eu estava numa posição quase igual à dele, um pouquinho mais atrás. Mas me senti confiante de arriscar um chute dali. Estava quase no final do jogo, foi um chute para tentar alguma coisa diferente. Fui muito feliz, acabei marcando um belo gol. Ali comecei a sentir aquela alegria de estar no momento certo, no clube ideal, e buscando os objetivos na carreira.
Quais são suas principais memórias do título brasileiro de 2001?
Nós íamos jogar na Arena da Baixada e sabia que o fator torcida seria fundamental, porque eles contagiavam, empurravam mesmo. Então, valeu muito a pena. Nós, jogadores, assimilamos esse pensamento de chegar à final e conquistamos um título que até hoje é muito marcante. Até hoje a gente encontra os jogadores, relembra as histórias vividas dentro da concentração e sempre dá saudade. "Poxa, aquela época, que pena que não volta". Foram momentos muito bacanas dentro do Athletico Paranaense.
Era um time bem encaixado, né?
Timaço esse, que deu muita alegria para a torcida atleticana. Era um time muito velocista, direto no jogo. A transição da defesa para o ataque era muito rápida. A gente sempre atacava, atacava, atacava. Lembro muito do Nem, ele falava: "Meninos, vocês podem ir lá atacar. A gente não vai conseguir segurar, uma hora eles vão fazer gol, mas que vocês vão fazer três ou quatro, isso tenho certeza". A gente tinha muita liberdade.
Em 2002 veio a Copa do Mundo. E no decorrer do torneio você virou titular. Conseguia mensurar o tamanho disso na época?
Rapaz, voltando no tempo, posso falar que eu era um menino maluco. Chegar no meio daquelas feras, se impor com personalidade, buscar espaço com lealdade e dignidade. Foram as palavras que mais levei comigo. Eu não poderia decepcionar as pessoas que lutaram para eu viver aquele momento. Minha família, o Athletico Paranaense, o pessoal lutou muito para me preparar para aquele momento.
"Eu sei que, quando cheguei à Seleção em 2002, muito se falou que eu iria assistir à Copa, que estaria ali só para compor elenco".
Agradeço ao professor Luis Felipe, ao pessoal que confiou no meu trabalho, que me deu essa oportunidade. Eu trabalhei só por uma oportunidade e, quando ela veio, estava bem preparado e tranquilo. As coisas mudaram muito positivamente para o meu lado. Desde quando estreei contra a Costa Rica, depois contra a Bélgica, Inglaterra... Tive um amadurecimento muito bom. Isso tudo porque os jogadores que estavam ao meu lado me deixaram muito tranquilo. Ronaldo, Rivaldo, Roberto Carlos são pessoas fantásticas, me acolheram de uma forma sensacional. Eu não tinha nervosismo nenhum quando entrava no campo com esses jogadores. Eu só era aquele menino que tinha que defender, abrir as jogadas e passar a bola. Sei que tentei um algo a mais na final da Copa (risos), mas isso a gente deixa só para dar um susto, um frio na barriga.
Você teve grande atuação na final contra a Alemanha.
Na final o Felipão veio conversar comigo: "O pessoal está preocupado em marcar Ronaldo, Rivaldo. Kleberson, faz o que você faz no Athletico Paranaense. Busca o espaço, seja agressivo, que as coisas vão sair da melhor forma possível". Quando entrei no campo, parecia que eu estava livre completamente, as principais jogadas da final começaram a surgir comigo. Tive duas oportunidades com o pé esquerdo, um cruzamento em que não consegui alcançar o Ronaldo e o Oliver Kahn pegou a bola. No final do primeiro tempo teve a bola na trave. Eu estava muito tranquilo. As palavras do Felipão e dos outros jogadores me deixaram muito tranquilo.
Imagina se aquela bola no travessão tivesse entrado...
Um pouquinho mais para baixo ela batia e entrava (risos). Mas eu também tenho que entender que já era demais, né? Dei uma assistência para o Ronaldo, fui campeão do mundo, já estava bom demais. A bola na trave eu deixo para o meu filho. Quem sabe ele consegue marcar no futuro?
Agora falando sobre sua apresentação no Manchester United em 2003. Você foi apresentado ao lado do Cristiano Ronaldo, mas o cara era... Você!
Olha, a única vez que ele perdeu foi essa aí (risos). Quando cheguei ao Manchester, o Cristiano Ronaldo era uma promessa, e eu estava vindo com status de campeão do mundo. Ele era uma aposta. Foi uma apresentação sensacional, momento marcante da minha carreira, poder chegar em um clube de altíssimo nível como o Manchester United, ainda mais ao lado de uma pessoa que se tornou ícone do futebol mundial. Foi muito legal. De vez em quando volto no tempo, relembro esse dia, o look que a gente estava usando, umas calças e camisetas um pouquinho ultrapassadas (risos). Mas foi um momento muito legal, ter chegado à Inglaterra e conhecido o futebol inglês, ter jogado Premier League e Champions League. Foi uma experiência muito boa, apesar de não ter tido uma sequência boa dentro das quatro linhas. Fora de campo foi um aprendizado muito bom.
"Eu estava chegando para substituir o Verón, então criaram uma expectativa muito grande. Realmente naquele momento eu estava um passo à frente dele (CR7). O problema é que depois ele ficou mil, né? Mil na minha frente (risos). Coisas do futebol".
Tem alguma história curiosa dos tempos de Manchester?
Tenho uma com o Ferguson. Eu tinha acabado de comprar um carro, antes só ia de motorista. Aí, como brasileiro, cheguei um pouquinho em cima da hora do treino. Vi uma vaga aberta, na hora estacionei, corri, troquei de roupa, e o pessoal já estava indo para o campo. Estou lá no campo treinando, quando vejo sai correndo do escritório o Ferguson. Ele sai falando inglês, eu não entendendo nada. "Carro, carro, carro"... Aí todo mundo olhando e apontando para mim. Perguntei o que aconteceu.
Aí me contaram: "Kleberson, o Ferguson está aqui há mais de 15 anos, ele tem o estacionamento privado e você estacionou o carro na vaga dele". Falei: "Meu Deus do céu, não acredito". Pensei que os caras iriam me mandar embora na outra semana. Uma mancada. Depois eu passei a estacionar o carro muito longe.
"Ele (Alex Ferguson) ficou bravo porque achou que era sacanagem de algum jogador. Foi muito bravo para o campo. Quando ele viu que era eu, ficou mais tranquilo porque sabia que não fiz por mal".
O que significou jogar pelo Flamengo?
Além de realizar um sonho, acho que foi uma recuperação sensacional da minha parte. O Flamengo me apoiou em todos os aspectos. A torcida, então, nem se fala. Quando você se torna jogador do Flamengo, tem que estar preparado para o abraço da torcida, mas também para a cobrança.
"Sempre trago comigo as palavras do Joel de quando eu estava lá: no Flamengo, tem que transpirar".
Se você usou a camisa do Flamengo, tem que transpirar. Tem que chegar lá, fazer tudo o que você sabe e um pouco mais. A torcida quer jogador que transpire, que lute por todas as bolas, que sempre queira a vitória. O meu caminho no Flamengo com o Joel Santana me ajudou a ter a identidade do Flamengo.
O título brasileiro de 2009 foi surpreendente?
Não digo que foi surpreendente. Claro que tem que ter o mérito do atleta, da comissão técnica. Mas o que levou o Flamengo a chegar ao título foi a torcida. Quando a torcida abraçou o clube e os jogadores que estavam lá, Adriano, Petkovic, Zé Roberto, as coisas começaram a caminhar. A gente entrava no campo e via a torcida com os braços levantados, gritando e apoiando o tempo todo. Então, nós, jogadores, passamos a acreditar nisso. Não posso dizer que foi surpresa. A torcida nos fez acreditar que poderíamos ser campeões. Estávamos bem abaixo na tabela. Na reta final fomos ganhando jogo após jogo, a torcida apoiando, e o grupo foi se fortalecendo.
E os EUA? Por que resolveu se aventurar lá?
Eu fui passear com a família nos EUA em 2010 e me apaixonei. Vi que o futebol estava começando a caminhar lá, as coisas estavam começando a melhorar. Vi uma oportunidade de, no futuro, levar um pouco do Kleberson para os EUA. Para representar o Brasil e também para jogar, ter uma história fora do país. Eu já estava pensando no pós-carreira. Comecei a pensar em estrutura para a minha família, meus filhos. Também em cidadania, era um projeto. Quando cheguei aos EUA, emprestado pelo Bahia, me apaixonei pela cidade da Filadélfia. Um clube que pode não ser gigantesco na MLS, mas tem sua história, que abriu as portas para mim lá (Philadelphia Union). Acabei me apaixonando e ficando até hoje por lá.
Nota da redação: Kleberson depois foi para o Indy Eleven, da divisão de acesso à MLS, e para o Fort Lauderdale Strikes, time de Ronaldo, mas que acabou antes do previsto. Aí se aposentou. Depois virou técnico e recebeu convite para voltar ao Philadelphia Union.
Quais licenças você possui?
Hoje tenho a licença A da CBF, a licença B dos EUA, tenho meus cursos de gestão. Estou buscando muito mais ainda, mais captações para que eu possa ter um aprendizado muito bom e no futuro, quando me sentir preparado e tiver uma oportunidade, começar a me aventurar mesmo nessa nova função.
Não imagina outra coisa para o futuro além de ser técnico?
Acho que sim. É um caminho que estou seguindo. A porta foi aberta para isso. Vou tentar. Da mesma forma como consegui como jogador, claro que bem diferente, vou usar minhas estratégias para tentar também como treinador.
Gostaria de ser técnico de um time brasileiro?
"Eu gostaria muito de chegar um dia a ser treinador profissional de um clube brasileiro, ainda mais um clube que tenha toda sua história".
Esse seria o meu objetivo. Por isso estou fazendo os cursos, ouvindo muito, observando, para quando essa oportunidade aparecer, eu esteja bem preparado.
Você tem história no Athletico e no Flamengo. A pergunta que mais quero te fazer: vai torcer para quem?
Nossa, essa aí (risos)... Tenho boas histórias nos dois clubes. Respeito muito o Flamengo. Mas o Clube Athletico Paranaense é um clube por quem tenho um carinho muito grande, pela história que vivi desde o começo. É o clube que me revelou. E é para quem vou estar torcendo nesse jogo.
Difícil escolher um lado?
Muito difícil. Imagina você se separando em duas partes. É como me sinto hoje. Tenho carinho e respeito pelo Athletico, gratidão ao clube. Mas, como você lembrou, vivi momentos profissionais mais longos no Flamengo. Quando eu estava subindo, era aquela euforia de chegar ao profissional e a um título. No Flamengo eu já era profissional, queria recuperar meu futebol. Então, são duas histórias muito parecidas. O mais importante é que são histórias com final feliz. Tenho muito respeito pelas duas equipes, torço sempre por elas. Mas quando as duas jogam uma contra a outra, sempre é um momento difícil para mim, sempre uma dor no coração. Mas nunca escondi de ninguém meu carinho pelo Athletico Paranaense.
E torcida à parte, quem você considera favorito para passar às semifinais?
É um grande duelo. O Athletico Paranaense vem numa campanha muito sólida. O Flamengo vem com uma troca de gestão, um novo treinador. Comparando as duas equipes, como observador do futebol e por eu ter passado pelas duas, o Flamengo chega com um favoritismo para essa reta final da Copa do Brasil. Pelos jogadores que tem, pelas peças que pode usar nessa competição e nesse jogo de mata-mata. E sei que, quando são jogos assim, a tendência é o Flamengo crescer.
"Independentemente do retrospecto que o Flamengo tem contra o Athletico Paranaense, acho que o favoritismo é maior por parte do Flamengo".
Bônus
Após a entrevista, pedimos a Kleberson para escalar seus 11 ideais reunindo os dois times pelos quais foi campeão brasileiro. Vale lembrar que ele esteve machucado em boa parte da campanha do Flamengo em 2009, por isso não o consideramos titular naquela equipe.
E Kleberson justificou a escolha surpreendente para o posto de centroavante.
- O Adriano foi um cara importantíssimo no Flamengo. Mas o Kléber Pereira... O Negão é enjoado para fazer gol. Ficaria com o Kléber Pereira. Vai dar muito o que falar isso aí, eu sei (risos) - encerrou.
Foto: Ivan Raupp
Foto: Divulgação / Philadelphia Union
Foto: ODD ANDERSEN / AFP
Foto: Reuters
Por Camile Mourão e Ivan Raupp — Curitiba, PR
*Redação: blogjrnews.com