Equipe mais consistente do torneio mudou a forma de jogo ao longo da competição e ganhou com a inteligência de alguns jogadores, como Daniel Alves ou Jesus.
Aos 14 minutos do primeiro tempo, o duelo da grande final se desenhava como com os minutos iniciais da goleada contra o Peru na 1º fase: grandes dificuldades pela marcação avançada do adversário, fechando a saída de bola, em especial de Dani Alves. Tudo descomplicou quando o mesmo Daniel viu Gabriel e Éverton abertos e achou um passe para o camisa 9, que segurou e cruzou na medida para o ponta do outro lado, já na área, finalizar.
É uma jogada que simboliza o Brasil campeão da Copa América após 12 anos. Partiu da mente de Dani, cada vez menos lateral apoiador e mais articulador e pensador do jogo, e passou do meio-campo direto para o ataque com Jesus e Éverton, que entraram após o jogo mediano contra a Bolívia e deram ao Brasil maior poder de fogo contra as defesas fechadas que sempre nos complicam a vida.
O Brasil que venceu a Copa América teve ainda a movimentação sem a bola de Firmino, fundamental com diagonais que arrastam zagueiros e a timidez de Coutinho, que ainda não encontrou posição nessa equipe de Tite. Teve a imposição da zaga formada por Marquinhos e Thiago Silva, impecável na bola aérea e na saída, e muitos primeiros volantes, todos mais fixos para dar segurança ao time.
Mudanças ao longo da competição foram fundamentais
Tite já disse que aprendeu com a Copa a mudar a equipe quando um problema se apresentava. David Neres e Richarlison são jogadores de mais mobilidade, que buscam a área o tempo todo. Com Éverton e Gabriel, o time conseguiu ter sempre dois jogadores abertos como válvula de escape para bolas da defesa ao ataque ou para quando Coutinho não conseguia baixar e buscar a bola. Gabriel Jesus participou de todos os gols do Brasil no mata-mata, e aos 22 anos, merece e muito nosso respeito e nossa vaga. Com ou sem gol, suas movimentações são fundamentais para o time, e agora como ponta, tem espaço para fugir da pressão de zagueiros que o prejudicou na Copa. tgr
Jogar com pontas mais abertos é um artifício do time. O Brasil não faz o jogo de posição, nem o ataque posicional que já foi explicado aqui. Ensaiou algo do tipo contra o Paraguai, num 3-2-5 bem rígido e simétrico, e não faz jogo de posição justamente porque não há simetria na ocupação de espaços. A ideia é que os pontas abram para que Daniel Alves fique mais solto pelo meio e pense o jogo junto a Arthur, que se soltou na fase final e finalmente avançou, seja na infiltração sem a bola ou na condução com ela. É dele o passe para Jesus no segundo gol, ainda no primeiro tempo.
Outro artifício do time é o “perde-pressiona”. Como é duro atacar o Brasil! Assim que a seleção perde a bola, a pressão para recuperá-la é tão grande que raramente o adversário consegue um contra-ataque. Quantas vezes o Brasil foi ameaçado de verdade no torneio? A orientação é simples: quem está próximo da bola deve correr para recuperá-la, como se fosse uma responsabilidade sua, e dar tempo para os defensores e para Casemiro, volante que tem papel só defensivo e fica sempre mais à frente, se organizar e fechar o espaço. É o que Firmino faz no início do segundo gol, roubando a bola e tocando para quem estava mais próximo: Arthur.
Precisa ser desse jeito?
Depois da vitória, o alívio. A pergunta que fica: precisa ser esse pandemônio? As críticas lá no início, como contra o empate com a Venezuela, muitas vezes foram injustas. Tite virou nepotista, Gabriel Jesus virou "moleque" porque perdeu pênalti....o jeito de torcer do brasileiro é nocivo. Faz mal para o próprio futebol, e já passou da hora de criticar essa cultura.
É nocivo porque confunde as coisas. Quando o torcedor não concorda com alguma decisão, ao invés de buscar entendê-la, cria um ressentimento, um ranço. Mistura isso com clubismo e também uma régua muito alta, longe da realidade, de que o papel da seleção é sempre vencer. JAMAIS ganhar um título será uma obrigação, jamais. Futebol não é isso. Expectativa alta demais significa frustração, e como há o ressentimento, o jeito brasileiro de torcer aponta vilões, que mudam de jogo para jogo, como culpados pela frustração. Quase sempre é o técnico, mas já foi Jesus, Alisson, Fernandinho...
Futebol não é isso. É um jogo de oposição entre duas forças, na qual favoritismo e superioridade existem na teoria. Na prática, as forças se confrontam em campo e colocam suas ideias para maximizar seus pontos fortes e encobrir seus pontos fracos. Nem sempre vence o melhor, vence quem erra menos.
Alisson viveu um pouco dessa doidera. Foi chamado de frangueiro até não poder mais…melhor goleiro da Liga dos Campeões, luva de ouro na Premier League e decisivo na Copa América com grandes defesas. Goste ou não dele, é o melhor goleiro da atualidade no mundo. O brasileiro confunde gosto pessoal com reconhecimento.
Outro a viver o pandemônio foi Tite. A realidade é que seu trabalho é muito consistente. Deu ao Brasil uma forma de jogo, buscou opções no ciclo pós-Copa e o time oscilou de desempenho como é n-o-r-m-a-l em qualquer equipe a longo prazo. Isso garante a Copa de 2022? Não! Estamos falando de processos, de buscar um método para fazer as coisas. Não há a menor garantia do resultado de um jogo, mas há a garantia de treinar e pensar o caminho para se chegar nele, e Tite sobra no país como o técnico que mais pensa esses caminhos.
Tite tem 33 vitórias, 7 empates e apenas 2 derrotas no comando da Seleção, com 92 gols feitos e apenas 11 concedidos
O mesmo vale para a ideia de que o Brasil dependia de Neymar ou de que faltava protagonismo. Não depende, como provado nessa Copa América, porque há muito, mas muito talento no país. Toda janela um monte de jogador brasileiro é vendido pra clube mais rico e desenvolvido lá. Isso não é sintoma de futebol colônia, é sintoma de país que produz jogadores bons e não consegue competir com o poderio financeiro porque não se organiza a longo prazo. Neymar é mais um com a responsabilidade de decidir, não o salvador do país.
Então segue o jogo. O Brasil do jogo pelos lados, de Daniel Alves armador, de Gabriel Jesus ponta e Firmino se movimentando é uma equipe com mais qualidades que defeitos. Nas Eliminatórias, Tite terá que repensar o papel de Coutinho, que não rende como meia, pensar em como substituir Daniel Alves que terá 38 anos em 2022 e em tornar o time mais eficaz com a bola na frente, perdendo menos gols. Ajustes pontuais. Porque não existe time “pronto”, existe jogos a serem vencidos. E o Brasil venceu os da Copa América.
Foto: Marcos Ribolli
Fotos: Leonardo Miranda
Foto: BP Filmes / GloboEsporte.com
Tite aplaude título do Brasil — Foto: REUTERS/Ricardo Moraes
Por Leonardo MirandaJornalista, formado em análise de desempenho pela CBF e especialista em tática e estudo do futebol
*Redação: blogjrnews.com