Proibição foi proposta por Eduardo Braga e acolhida por Fernando Bezerra, relator da MP da reforma administrativa. Entidade de auditores e MPF criticam; votação deve ser nesta quinta (9).
A comissão do Congresso que analisa a medida provisória (MP) da reforma administrativa discutirá nesta quinta-feira (9) uma proposta que proíbe auditor da Receita Federal de investigar crime que não seja de ordem fiscal.
A MP foi editada pelo presidente Jair Bolsonaro em 1º de janeiro, quando ele tomou posse, e reestruturou o governo. Entre outros pontos, extinguiu ministérios e transferiu órgãos.
A emenda sobre as investigações foi apresentada pelo líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), e acolhida pelo relator da MP, Fernando Bezerra (MDB-PE). Bezerra é o líder do governo no Senado e incluiu a emenda no relatório apresentado nesta terça (7).
Após incluir a emenda no texto, Bezerra afirmou que há casos de auditores "extrapolando" as competências deles.
"Tem ocorrido, sim, a extrapolação de atuação de fiscais na Receita Federal, que fogem da sua competência das suas atribuições. Essa redação, essa emenda, é no sentido apenas de proteger essas garantias individuais do contribuinte brasileiro", declarou o parlamentar.
Nesta quarta (8), Fernando Bezerra também disse dará "todas as explicações" sobre o tema e "refutar todas as críticas que foram colocadas".
Competência para apurar crimes
Em entrevista à GloboNews, o relator afirmou que os auditores têm competência para apurar crimes fiscais, mas cabe ao Ministério Público e à Polícia Federal apurar outros tipos de crime.
"Auditores da Receita têm competência para averiguar crimes referentes a questões tributárias ou ligadas à aduana brasileira. No curso das investigações inerentes à função de auditor da Receita, se identificar outros crimes, ele é obrigado a comunicar às instituições competentes, Ministério Público e Polícia Federal. Não vai haver nenhum cerceamento. Agora, para que o auditor fiscal possa continuar investigando outros tipos de crime, tem que haver autorização judicial como proteção das garantias individuais previstas na Constituição", declarou.
Na avaliação de Fernando Bezerra, este é o "primeiro passo" para evitar o abuso de autoridade. Se a emenda for aprovada, diz o relator, o cidadão terá a "proteção das suas garantias".
Em outro trecho, o relator ressaltou que, se o auditor encontrar indícios de lavagem de dinheiro, precisa comunicar ao Ministério Público. "A Constituição dá poder ao cidadão, nem precisa ser auditor da Receita. Se ele suspeitar de indício de crime, pode denunciar", completou.
O relator disse defender a Receita, mas é preciso "coibir abusos". "Nós estamos cuidando da estrutura do governo, das atribuições, das vinculações dos órgãos. A Receita é vinculada ao Ministério da Economia e estamos falando de competências. Estão ocorrendo abusos", acrescentou.
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Reação
A emenda provocou reação de parlamentares, entidade de auditores e, também, do Ministério Público Federal. Eles argumentam que a proposta pode “enfraquecer” o combate à corrupção.
De acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), se a medida for aprovada pelo Congresso, a competência dos auditores ficará limitada a crime contra ordem tributária, cujo efeito, diz a entidade, é pretérito.
Segundo o subsecretário de fiscalização da Receita, Iágaro Martins, a emenda tem o "potencial de ser um torpedo" nas ações criminais das operações Lava Jato, Calicute e Greenfield, além de outras em que auditores fiscais identificaram crimes como lavagem de dinheiro e corrupção.
Em nota, o Ministério Público Federal afirmou que a emenda enfraquece a atuação da Receita Federal e causa "sérios prejuízos" ao combate à corrupção.
"Limitar a atuação dos auditores fiscais da Receita Federal apenas à investigação de crimes contra a ordem tributária ou relacionados ao controle aduaneiro reduz, e muito, a atuação da Receita Federal no combate à corrupção, com sérios prejuízos para o país", diz a nota.
"De acordo com o texto da emenda, também fica vedado o compartilhamento de dados entre os auditores e outros órgãos, como Ministério Público e polícia, sem ordem judicial. Para o MPF, as mudanças vão na contramão de acordos internacionais em prol do combate à corrupção dos quais o Brasil é signatário", completa.
'Jabuti'
Na reunião da comissão desta quarta, vários parlamentares criticaram esse trecho do relatório de Bezerra.
O líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), por exemplo, chamou a modificação de "jabuti" – termo usado por parlamentares para identificar iniciativas estranhas ao tema inicial de um projeto.
Olímpio também classificou a alteração como "emenda Gilmar Mendes" em referência ao ministro do Supremo Tribunal Federal.
Em fevereiro, o presidente do STF, Dias Toffoli, pediu à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e ao secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, providências para apurar "eventual ilícito" cometido por auditores da Receita que propuseram uma investigação fiscal de Gilmar Mendes e da mulher do magistrado, Guiomar Feitosa Mendes.
Na ocasião, Toffoli atendeu a uma solicitação do próprio Gilmar Mendes. O ministro encaminhou ofício ao presidente do Supremo após tomar conhecimento de um documento do Fisco que sugeria a abertura de "fiscalização" sobre ele e a mulher.
Por Gustavo Garcia — Brasília/G1