Ação em parceria com os comunitários da reserva aconteceu na comunidade Santana do Arauazinho, em Novo Aripuanã
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Juma, gerida pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), realizou a primeira soltura de quelônios da sua história, na sexta-feira (23/01). A ação aconteceu em uma localidade nas proximidades da comunidade Santana do Arauazinho, em Novo Aripuanã (a 227 quilômetros de Manaus), com 604 quelônios, das espécies tracajá e iaçá, liberados para a natureza.
O projeto na RDS iniciou em 2023, com a capacitação de duas famílias, além do mapeamento das praias que são tabuleiros onde ocorrem as desovas. A qualificação foi realizada em conjunto com monitores de quelônios da RDS Rio Madeira, que acompanharam a coleta e transferência para a chocadeira durante dois meses.
“Foi um trabalho no dia a dia, quando começou o processo da desova. A gente tem a nossa participação como técnicos e gestores da Unidade de Conservação, mas eu digo que é mérito total das famílias que participaram. Eles realmente abraçaram a causa e o projeto”, conta a gestora da RDS Juma, Khimberlly Sena.
Coleta e nascimento
A metodologia utilizada no processo de coleta e soltura foi desenvolvida pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), por meio do Projeto Pé-de-Pincha, que atua em 180 comunidades no estado. Segundo a técnica de capacitação e representante do Projeto, Midian Salgado, existe um método bem delimitado para evitar o máximo de perdas durante o processo de coleta e eclosão.
“Os ovos são colocados dentro de caixas de isopor com substrato, como areia e capim, para evitar choque térmico e rolamentos, e de lá são transferidos para uma chocadeira, um local cercado e que tenha segurança. Os ninhos são reproduzidos como se fosse na natureza”, relatou.
O período de desova na região acontece a partir de agosto. Os monitores fazem a coleta dos ovos, replantam nas chocadeiras, e após dois meses, transferem os filhotes para o berçário, por mais dois meses, para que haja uma taxa de sobrevivência maior. Três tanques foram utilizados para o processo de cura do umbigo e endurecimento dos cascos dos quelônios.
“Quando eles nascem e vão direto para a água, a taxa de sobrevivência deles é de 1%. Com esse manejo, a taxa sobe para 18%. Esse trabalho é feito para que haja um repovoamento melhor, principalmente onde não se vê mais a espécie com tanta abundância. Para que eles não venham à extinção, devido à pressão da caça e da venda ilegal, a gente faz esse projeto nas comunidades”, explicou.
Trabalho comunitário
O trabalho de coleta, monitoramento e construção da chocadeira e berçário foi realizado na propriedade de Ademar Serrão, líder comunitário e morador da região há 29 anos. Conhecedor do rio Aripuanã, onde foi feita a soltura, o morador foi testemunha da degradação ambiental na região por intervenção humana, antes da criação da RDS Juma, em 2006.
“Tinha bastante quelônio aqui, muito mais do que tem hoje. Aqui na comunidade morava bastante gente, eles desciam para os tabuleiros de desova, e passavam semanas lá coletando ovos só para comerem. Com o passar do tempo, a sede do município foi evoluindo, e o comércio se expandiu. Começaram a pegar os quelônios e os ovos e comercializar na cidade, assim foi reduzindo e reduzindo”, contou Ademar.
Em esforço integrado da Sema, através da gestão da Unidade de Conservação, e apoio da RDS Rio Madeira, os comunitários coletaram cerca de 1.119 ovos, com uma taxa final de eclosão de 54%.
“Não é justo, eu acho que seria até uma covardia, nós estarmos dentro da UC, usufruindo de tudo, destruindo a natureza, e não contribuirmos nunca com isso. Eu não tenho televisão em casa, não estudei, sou analfabeto, mas desde o início da Unidade de Conservação eu participo de todas as ações, é difícil ter uma reunião que eu não vá. A gente vai entendendo que tudo isso não fomos nós que criamos. Nosso papel é preservar e dar continuidade”, explica.
Para a gestora da RDS, a soltura de quelônios realizada pela própria comunidade é um marco para a preservação ambiental na reserva, pois contribui para o sentimento de pertencimento e cuidado com a floresta entre os moradores da região.
“Nada se faz sozinho, é uma via de mão dupla. Se o senhor Ademar não quisesse fazer esse trabalho, não ia funcionar. E se fosse só ele, sem o apoio da Sema, talvez também não desse certo, não com todo o êxito que foi essa primeira soltura e o primeiro ano de monitoramento. O sentimento que eu tenho hoje é de alívio, por encerrar essa etapa, mas também é um sentimento de gratidão, por eles terem acreditado que poderia dar certo, por terem aceitado o desafio”, completou Khimberlly.
FOTOS: Noir Miranda e Divulgação/Sema